A internet está repleta de conteúdos que prometem mais pacientes para os médicos. O tópico número 1, sem sombra de dúvida, é marketing digital. Além disso, seguem-se discussões sobre “fidelização do paciente”, “gestão eficiente de clínicas”, dentre inúmeros outros temas que tratam de receitas e metodologias para se obter mais pacientes e lucros. Vemos uma verdadeira chuva blogs, artigos e e-books, todos com termos estranhos a indústria e seus leitores. Também pudera, já que esses métodos e termos foram criados nas indústrias de Manufatura e de Consumo! Não é à por acaso que tantos médicos se frustram em suas tentativas de se posicionar no meio digital.
Marketing digital, como qualquer outra ferramenta de marketing, pode ser ou não efetiva. Muitos investem tempo e dinheiro em marketing digital e se frustram com resultados pífios obtidos no final. Mesmo se você alcançar milhares de seguidores no seu blog, Instagram ou canal de YouTube, isso não se traduz de imediato em maior preço de consulta ou mais pacientes. Veja, não quero com isso desmerecer o quanto marketing digital, bem conduzido, pode contribuir para a atração de novos pacientes. A questão é que marketing digital não pode ser o tema central, mas um meio.
A relação entre atendimento, recomendações e marketing digital
Um olhar mais atento percebe que os pacientes ainda buscam por novas indicações médicas em sua própria rede de relacionamentos. As pessoas ainda buscam recomendações de bons médicos ou clínicas junto a familiares, amigos ou conhecidos. As recomendações fluem nos grupos de Whatsapp, Messenger e afins. Famílias e amigos dividem entre si necessidades e recomendações médicas em uma fração de segundos. A força da recomendação depende de muitos fatores. Em geral alguém conta uma história ou experiência com o médico indicado, experiência esta que pode ser até de um terceiro que nem está no grupo. Dependendo de quem recomendou ou do perfil de quem está procurando, pode-se ou não buscar informações na internet, onde um bom marketing digital pode ajudar a te posicionar. Mas força da recomendação não para aí.
No campo da boa gestão, já é provado que um bom “boca-a-boca” é crítico para o crescimento do negócio. Frederick Reichheld e Rob Markey, consultores da Bain & Company, desenvolveram e provaram este conceito em seu livro The Ultimate Question, publicado em 2006. Tal conceito, alicerçado sobre observações da realidade, estudos e análises estatísticas, se espalhou pelo mundo empresarial como pólvora, e hoje em dia você recebe no seu celular ou e-mail a famosa pergunta: “O quanto você recomendaria nossos serviços seus amigos?”. Foi neste livro que foi cunhado o termo “Net Promoter Score”, muito comum na literatura e círculos de gestão.
Adaptando o conceito para serviços de saúde, uma clínica, consultório ou médico precisa se atentar para três tipos de pacientes pós-atendimento. Um primeiro tipo é o paciente simplesmente “satisfeito”. Este terá, tipicamente, um comportamento mais passivo em relação a clínica, consultório ou médico que lhe atendeu. Se perguntado, ele dirá sua opinião, mas será neutro. Há ainda outros dois perfis que são fundamentais para o crescimento ou não da clínica ou consultório: o “promotor” e o “detrator”.
Promotores e Detratores
Vamos pensar fora do setor de saúde por um momento. Como cliente, você na sua vida já ficou encantado com um serviço ou produto? Qual foi sua reação nas horas que se seguiram? Tipicamente um cliente “encantado” proativamente comenta sobre o serviço ou o produto que adquiriu com outras pessoas com quem interage nas horas que se seguem. Ele também é pré-disposto a prontamente recomendar aquele produto ou serviço. O cliente encantado se torna um “Promotor” do excelente serviço ou produto que consumiu.
O cliente que termina totalmente insatisfeito e decepcionado tem comportamento similar. Ele será proativo em comentar com outras pessoas de seu círculo sobre sua experiência, mas neste caso será enfático sobre quão terrível ela foi. Sempre que o assunto surgir, ele se manifestará recomendando em que seus colegas, amigos ou familiares nunca se aproximem da empresa com a qual ele se decepcionou. Ele será por muito tempo um “Detrator”.
Se em produtos e serviços de nosso dia-a-dia podemos nos tornar Promotores ou Detratores, isso será ainda mais acentuado no setor de saúde. A saúde é o bem mais precioso e a maior preocupação para qualquer pessoa ou família. Certamente um paciente e seus familiares terão esse senso de julgamento da experiência muito mais aguçados, só por estarem falando de saúde. Vale ainda pontuar que, dependendo da gravidade da doença, o paciente será ainda mais crítico e frequente na avaliação dos serviços de saúde. O setor de saúde causa muita mais sensibilidade do que em outros setores ou indústrias. A satisfação ou insatisfação nunca será comparável a comprar um carro, internet do celular ou serviços bancários, pois estamos falando de vida.
Resolvendo o problema central: cultura centrada no paciente.
Promotores e Detratores são apenas arquétipos. O importante é perceber que a experiência pela qual o paciente passa é a verdadeira questão a ser endereçada. Nesse sentido, o gestor precisa fazer três perguntas críticas. “Como tratamos nossos pacientes desde o momento que ele agenda uma consulta?”. “Por que tratamos nossos pacientes dessa forma?” “O que define nossas vantagens e deficiências: cultura, protocolos, ou ambos?”
Um bom gestor, aplicando metodologias de jornada do paciente, pode reduzir o risco de uma experiência ruim através de bons protocolos e processos e ainda conseguir melhorar o número de pacientes promotores. Discutimos isso na série Desmistificando o que importa na Jornada do Paciente. Mas se essas melhorias partirem de uma cultura orientada a lucro, os profissionais envolvidos entenderão não terão o compromisso com o paciente, mas sim com o protocolo estabelecido. Todas as situações não previstas no protocolo se tornarão uma roleta russa na experiência do paciente.
Por fim, se uma clínica ou consultório não possuir bons procedimentos e protocolos, seus profissionais poderão contornar, dentro de um limite considerável, tal deficiência. Mas isso só ocorrerá se estiverem aculturados para isso. Tais profissionais precisarão, genuinamente, valorizar o cuidado com percepção que o paciente tem do serviço, para o bem do próprio paciente. Discutimos problema cultural em Construindo um Cultura Centrada no Paciente, e o mesmo é certamente mais desafiador. É contudo muito mais poderoso para a que uma clínica, consultório ou profissional se torne uma referência positiva e experimente um crescimento diretamente decorrente da ferramenta que continua permanecendo a mais poderosa de todas: o boca-a-boca.
Sobre o Autor
Fernando Andrade Jr foi consultor sênior da McKinsey & Company, uma das consultorias mais renomadas no mundo, onde trabalhou em nos temas de cultura centrada no cliente e de jornada de experiência do cliente. Decidiu fundar o Bric Health, com a aspiração de contribuir significativamente para uma saúde mais justa para a população brasileira. É formado em Engenharia de Telecomunicações pelo Instituto Militar de Engenharia, possui também MBA pela London Business School.